A Geração Superficial

O jornalista Nicholas Carr traz de forma bem-embasada a seguinte constatação: estamos ficando mais burros, e a culpa é da internet. Temos acesso quase ilimitado a informações na grande rede, mas perdemos a capacidade de focar em apenas um assunto. Para o autor, a mente do internauta está caótica, poluída, impaciente e sem rumo, e Carr faz um manifesto destacando a importância da calma e do foco, faculdades esquecidas neste mundo turbulento.

Indicado ao prêmio Pulitzer de 2011 e listado entre os livros mais vendidos nos Estados Unidos do mesmo ano, A geração superficial, discute como o uso intensivo da internet influencia o modo de vida das pessoas. Segundo o autor, Nicholas Carr, a web trouxe consequências intelectuais e culturais problemáticas para a humanidade, como, por exemplo, a dificuldade de concentração e a superficialidade nos relacionamentos interpessoais.

A obra detalha diversas descobertas recentes da neurociência e explica como o cérebro humano se modifica com as experiências diárias e com o uso cada vez maior de tecnologias. Carr é colunista do The Guardian, membro do conselho editorial da Enciclopédia Britânica e autor dos livros The big switch (2008) e Does IT matter? (2004).

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Título: A Geração Superficial: O que a internet está fazendo com os nossos cérebros
Autor: Nicholas Carr
Editora: Agir
Valor: R$49,90

A vida como um espetáculo sem fim

Do Orkut ao Big Brother, dos dramas e tragédias cotidianos às fofocas envolvendo celebridades, vivemos hoje mergulhados num ambiente de exposição total da intimidade. Mais que um modismo passageiro, a espetacularização da vida é um fenômeno que revela uma nova forma de ser e de viver. O modelo da identidade baseado na vida interior de cada um foi substitído por outro, em que as pessoas só existem se são vistas pelo outro: o que conta agora são as aparências, os sinais visíveis, a superfície, a imagem. Mas qual será o impacto disso na sociedade, a longo prazo? Paula Sibilia é doutora em Comunicação pela UFRJ e pesquisadora de temas culturais contemporâneos. è autora de "O show do eu - a intimidade como espetáculo" e "O homem pós-orgânico – Corpo, subjetividade e tecnologias digitais.

G1: Que análise você faz do papel da mídia no recente sequestro de uma adolescente e no episódio da briga entre a atriz Luana Piovani e seu ex-namorado?
Paula Sibilia: Tanto no caso do seqüestro de uma ex-anônima que se tornou tragicamente famosa como na briga de casal dessas celebridades midiáticas, trata-se de uma transformação da velha intimidade em espetáculo para o consumo das massas. Hoje não temos mais tempo para ler aquelas longas ficções oitocentistas – sacudidos como estamos na vertiginosa aceleração contemporânea – mas parecemos dispor de muito tempo e disposição para dedicar a esse tipo de história, as peripécias banais da suposta vida privada das celebridades ou os acontecimentos dramáticos da intimidade desses seres outrora anônimos – que, de repente, chamam a atenção do público porque “parecem uma novela”. Mas eles são reais, e é justamente por isso que interessam. Por quê? Talvez porque, quanto mais a vida cotidiana é ficcionalizada e estetizada, mais avidamente se procuram as experiências autênticas, verdadeiras, não encenadas: algo “realmente real” ou, pelo menos, que assim pareça. Uma das manifestações dessa fome de veracidade na cultura contemporânea é o anseio por consumir lampejos da intimidade alheia. Hoje tudo vende mais se for real, mesmo que se trate de versões dramatizadas de uma realidade qualquer. Isso parece uma contradição, mas são duas faces da mesma moeda: o excesso de espetacularização que impregna nosso ambiente midiatizado anda de mãos dadas com esse renovado auge do realismo, de tudo que se apresenta como informação verdadeira. Como, há quase um século, escreveu Walter Benjamin, hoje somos ricos em informações verificáveis, mas pavorosamente carentes de experiências sólidas e das narrativas mágicas da ficção.

G1: Uma coisa que chama a atenção no Orkut e outras redes sociais é que as pessoas tiram fotos delas próprias, o que sugere uma certa solidão, além da compulsão exibicionista.
Paula Sibilia: Eu acredito que a solidão seja um ingrediente fundamental nesse processo. A capacidade de estarmos a sós – que foi primordial para a construção da subjetividade naqueles velhos tempos modernos – se converteu numa habilidade cada vez mais rara, e sem muito sentido, contra a qual tudo parece conspirar. Por isso, se a principal obra dos autores e narradores desses novos gêneros autobiográficos interativos costuma ser a criação de um personagem, esse personagem se chama eu e jamais está sozinho. Pois tudo na vida dos personagens acontece sob os holofotes atentos da leitura, sob as lentes das câmeras de Hollywood ou mesmo de uma modesta webcam caseira. Esse personagem está sempre à vista, nas telas do mundo inteiro. Eis uma das grandes diferenças entre pessoa e personagem: este último sempre tem alguém para observar o que ele faz, acompanhar com avidez todos os seus atos, pensamentos, sentimentos e emoções. Mas nem sempre há testemunhas do nosso heroísmo ou das nossas misérias de cada dia; com demasiada freqüência, inclusive, ninguém nos olha. E, na sociedade do espetáculo e da visibilidade, se ninguém nos vê podemos pensar que simplesmente não existimos. Daí o desespero que hoje leva tanta gente a se mostrar e a se tornar visível, espetacularizando o próprio eu e criando uma intimidade que melhor seria definida como “extimidade”.

G1: Qual pode ser o impacto dessa multiplicação de “ficções pessoais” na sociedade?
Paula Sibilia: Talvez uma certa fragilidade, que decorre desse tipo de eu construído na exposição e na visibilidade, e que portanto precisa desesperadamente do olhar alheio para confirmar a sua existência. Junto com todos os alívios e as possibilidades que se abrem nessa libertação, aparece a falta de sentido, a sensação de “vazio”. Um vácuo deixado por esse espaço interior, por aquela “interioridade psicológica” que definia o que era cada sujeito e constituía a sua essência, o eixo a partir do qual se construía a subjetividade de cada um, e que agora se está deslocando em direção aos sinais emitidos pela superfície visível do corpo, da pele e das telas. Hoje parece que só é o que se vê. As diferenças entre essência e aparência se embaçaram em meio a tanto espetáculo, encenação e miragens imagéticas: não é por acaso que constantemente nos é dito que devemos cuidar da nossa imagem, como se fosse uma marca que cada um de nós deve gerenciar da forma mais eficaz possível. É preciso aparecer para ser alguém.

G1: Quais foram as etapas históricas decisivas desse processo de espetacularização da vida?
Paula Sibilia: O fenômeno contemporâneo da exibição da intimidade responde a transformações que ocorreram na cultura desde a década de 60, mas que se solidificaram nos primeiros anos do século 21. Convém observar historicamente esse processo, que hoje se manifesta não apenas nos espaços interativos da internet, mas também nos reality-shows da televisão, pois a separação entre o âmbito público e a esfera privada da existência é uma invenção histórica, uma convenção que em outras culturas não existe, ou se configura de maneiras diferentes. Mesmo nas sociedades ocidentais, essa distinção é relativamente recente: a esfera da privacidade só ganha consistência na Europa do século XVIII, com o desenvolvimento do capitalismo industrial e dos modos de vida urbanos engendrados pela modernidade. Naquele tempo começou a surgir um espaço de refúgio, destinado a cada indivíduo e à família nuclear burguesa. Nesses ambientes privados, os sujeitos modernos podiam encontrar um território a salvo das exigências e dos perigos que vigoravam no âmbito público das grandes cidades. O espaço privado se tornou o território onde transcorre a intimidade, ou seja: um pequeno e abissal universo particular, que costumava requerer silêncio, solidão e segredos. A partir do século XIX, portanto, para poder desenvolver e burilar o próprio eu, era fundamental dispor de um recinto próprio: um espaço separado do âmbito público e da intromissão alheia, por meio de sólidos muros e portas fechadas. A privacidade e a intimidade eram necessárias para poder ser alguém, para se tornar um sujeito moderno e estar em condições de produzir a própria subjetividade. É claro que esse redobrar-se na privacidade do lar, na intimidade e na interioridade psicológica de cada um, motivou também o surgimento de uma atitude de crescente passividade e indiferença com relação aos assuntos públicos e políticos. Já na segunda metade do século 20, esse panorama começou a mudar. O que está acontecendo hoje é bastante complexo. Por um lado, protegem-se cuidadosamente certos dados pessoais – especialmente financeiros e comerciais – contra possíveis e temidas invasões da privacidade, cada vez mais propiciadas pelo modo de vida contemporâneo, pela economia empresarial e seus sistemas eletrônicos de monitoramento. Por outro lado, a invasão da intimidade decorre da exposição voluntária, na visibilidade das telas globais, de aspectos da vida que antes concerniam à intimidade pessoal mais recôndita e que, por isso, devia ser pudicamente escondida entre quatro paredes.

G1: E quais são os efeitos disso?
Paula Sibilia: Os antigos pudores e rigores da moral burguesa parecem ter se diluído, pois agora se trata de mostrar-se abertamente e sem temores diante dos olhares alheios. Ao contrário, portanto, da proteção da privacidade que era fundamental no passado, essa exposição ocorre hoje com o fim explícito de se constituir como uma subjetividade visível. Trata-se de construir um eu que esteja à vista de todo o mundo – e que seja capaz de atrair as atenções dos demais. É o que acontece nos reality-shows, nos blogs e fotologs, nas redes sociais da internet como Orkut e Facebook e inclusive no Youtube. E também nas revistas de fofocas que expõem todas as peripécias, supostamente privadas, das celebridades. Em todos os cantos do nosso cotidiano, vemos como a intimidade se evade daquele espaço privado que costumava ser seu palco exclusivo e passa a invadir aquela esfera que antes se considerava pública. Por isso, antes de nos perguntarmos por que acontece tudo isto, devemos sondar quais são os tipos de eu e as formas de sociabilidade que tendem a se constituir nesses reluzentes ambientes que hoje habitamos, povoados de telas que nos conectam com milhares de pessoas e que fazem implodir as características fundamentais do tradicional espaço privado. Por que os novos ambientes hiper-conectados e hiper-expostos abandonaram a antiga lógica da privacidade para se tornar cenários translúcidos. O exemplo extremo é a “casa” do programa Big Brother: todos os quartos da casa simulam os ambientes do típico lar burguês, aqueles espaços onde costumava transcorrer a intimidade dos sujeitos modernos, mas suas paredes são transparentes, e tudo o que acontece em seu interior é minuciosamente espionado por milhões de pessoas que assistem à televisão em seus próprios lares. Podemos afirmar que uma modesta webcam caseira desempenha idêntico papel: abre uma janela virtual na tranqüilidade do lar e mostra tudo o que acontece entre essas quatro paredes a todos aqueles que desejarem dar uma olhada. Rituais semelhantes praticam aqueles que expõem todos os detalhes de suas vidas privadas em um blog ou fotolog, no Orkut, no FaceBook ou no YouTube. Daí a pergunta que eu formulo e procuro responder no meu livro: o que aconteceu com aquele homo psychologicus, com seu caráter voltado para dentro de si, que foi o modelo do homem moderno ao longo dos séculos XIX e XX, justamente porque cultivava sua intimidade e sua interioridade na privacidade do lar? Em que se converteu o velho homo privatus? Talvez ele tenha desaparecido porque já não serve mais, não é mais útil para esse projeto de sociedade no qual estamos imersos. Para ser alguém hoje em dia, já não precisamos de silêncio, solidão e privacidade, mas de um computador conectado à internet ou de uma câmera capaz de capturar nossa imagem para mostrá-la ao mundo. Hoje vivemos numa sociedade muito diferente da dos séculos 19 e 20, cujo modelo de eu interiorizado envelheceu.

G1: Alguns desses temas foram antecipados pelo pensador francês Guy Debord há 40 anos, no livro A sociedade do espetáculo…
Paula Sibilia: Tanto o livro quanto o filme homônimo de Guy Debord são obras visionárias em muitos aspectos, mas também “datadas” ou antiquadas, em outros. A principal diferença em relação ao nosso ambiente espetacularizado do século 21 é o fato de que, apesar do diagnóstico sombrio pintado pelo autor, naquele tempo parecia existir uma saída clara e perfeitamente viável para essa situação. Debord enxergava uma grande transmutação no horizonte dos anos 60, capaz de dinamitar essa sociedade do espetáculo, por ele tão execrada: a revolução, que parecia tão iminente na época como hoje soa inconcebível. A ela se dirigiam seus pensamentos, sua arte e sua ação política. Algo semelhante acontece em relação ao personagem do filme O show de Truman, de 1998: o protagonista daquele espetáculo da intimidade não consentido também encontrava, no final, uma porta que apontava para a saída daquele universo fictício. Já hoje em dia não podemos dizer a mesma coisa. Retomando as teses de Debord, hoje podemos afirmar que realmente o espetáculo se converteu “no sol que jamais se põe no império da passividade moderna”. Não há um “lado de fora” do espetáculo: tudo foi conquistado pela lógica, pelas regras e pelos códigos dessa forma de organizar e ver o mundo. Se o personagem do filme afundava no desespero ao descobrir que sua vida inteira tinha sido um mero espetáculo para olhos alheios, hoje é intensa a procura de uma vaga para participar nos reality-shows da televisão, cem vezes mais acirrada que no cobiçado vestibular para Medicina nas melhores universidades do país.

G1: É possível estabelecer uma relação entre o fim da oposição interioridade / exterioridade e o fim da oposição profundidade / superficialidade na identidade de cada um? Nesse sentido, a psicanálise e todos os saberes ligados à premissa de uma vida interior podem morrer, já que os sujeitos são cada vez mais definidos pelas aparências e referências externas?
Paula Sibilia: Sim, acredito que esses deslocamentos que estão ocorrendo revelam não apenas uma crise da psicanálise, mas também de todas as técnicas de construção de si baseadas na introspecção e na retrospecção. As novas práticas que hoje se desenvolvem, sobretudo, na Web 2.0, de algum modo vêm substituir essas modalidades mais antigas, como ferramentas mais adequadas para a construção do eu contemporâneo. Porque esses instrumentos de exposição de si e de sociabilidade permitem edificar um tipo de subjetividade mais compatível com o mundo atual, capaz de responder com mais agilidade e precisão às suas demandas de toda índole: econômicas, políticas e socioculturais. Além disso, o eu contemporâneo não se desvencilhou apenas da “interioridade psicológica”; isto é, daquela espessura que constituía a base da subjetividade moderna, mas também está se livrando da sua coerência temporal, isto é, da relação do presente com o passado, tanto individual como coletivo, daquela história vivida e acumulada na própria interioridade, que era capaz de explicar os sentidos do eu presente. Hoje não só podemos cortar as amarras que nos atavam ao passado, mas cada vez mais parece que devemos fazer isso: há uma espécie de incitação à reciclagem constante, à mudança, a uma perpétua transformação de si, que não deixa de alimentar as vorazes engrenagens do mercado. Daí a nossa sensação de presente inflado: o tempo parece congelado numa espécie de eterna atualidade.

YouTube e a Revolução Digital


O YouTube é atualmente um dos sites mais acessados do mundo, e o pioneiro em popularizar o compartilhamento de vídeos pela internet. Seu enorme sucesso levantou a discussão sobre a atuação das mídias interativas no ambiente on-line. 


O livro "YouTube e a revolução digital" apresenta as formas com que essa ferramenta está sendo utilizada, tanto pelo público, como pela indústria, e como isso está relacionado às transformações culturais e sociais. Os autores fazem um estudo detalhado do debate público que envolve o site, demonstrando a sua importância nas disputas por autoridade e controle no ambiente das novas mídias.


Título: YouTube e a revolução digital
Autores: Jean Burgess e Joshua Green
Editora: Aleph
Valor: R$49,90

O Facebook está contra a alegria

Por Evgeny Morozov

Uma das ideias mais influentes e perigosas, e menos consideradas, a surgir neste final de ano no Vale do Silício é a de "compartilhamento sem fricção". Articulada por Mark Zuckerberg, o fundador do Facebook, em setembro, a ideia pode reformular a cultura da internet tal como a conhecemos -e não para melhor.

O princípio que embasa o "compartilhamento sem fricção" é enganosamente simples e atraente: em lugar de perguntar aos usuários se eles desejam compartilhar com os amigos seus produtos favoritos -os filmes a que assistem online, a música que ouvem, os livros e artigos que leem-, por que não registrar automaticamente todas as suas escolhas, livrá-los da tarefa de compartilhar essas informações e permitir que seus amigos descubram mais conteúdo interessante de forma automática? Se Zuckerberg conseguir o que quer, cada artigo que leiamos e cada canção que viermos a escutar seria automaticamente compartilhada com os outros -sem que tivéssemos nem de apertar aqueles irritantes botões de "curtir".

É precisamente isso que o Facebook deseja fazer com sua ideia de aplicativos sociais, que rastreiam tudo que uma pessoa consuma no site (e, nem seria preciso dizer, consumimos mais e mais informações sem sair do Facebook). Não é impensável que o Facebook em breve venha a desenvolver aplicativos capazes de rastrear também o que fazemos fora de seu site. E a essa altura, não estamos mais falando de uma questão de tecnologia, mas sim de uma questão de ideologia -fazer com que esse "compartilhamento sem fricção" pareça completamente normal, e até desejável.

Na verdade, já existe tecnologia que permite que o Facebook consiga o que quer. Algumas semanas atrás, o gigante das redes sociais foi forçado a admitir que estava mesmo rastreando as atividades online até mesmo de usuários que não estavam logados em seu site. (Imagine se um funcionário do supermercado mais próximo de sua casa o seguisse pela cidade em um carro equipado com câmeras, depois de você fazer compras por lá: é exatamente isso que o Facebook está fazendo.)

Mas o que significa o "compartilhamento sem fricção" para aqueles dentre nós que se preocupam com a qualidade da vida pública e o futuro da democracia? É claro que um motivo simples para resistir a um futuro no qual tudo que fazemos será registrado e compartilhado com outros é o medo de uma vigilância onipresente. O Vale do Silício conseguiu contornar com sucesso esse tipo de preocupação ao alegar que muitos usuários do Facebook não objetam ao "compartilhamento sem fricção" porque ninguém estaria interessado de verdade em que canções eles ouvem ou que livros estão lendo.

Verdade - mas essas alegações em geral subestimam a capacidade dos anunciantes, dos partidos políticos e das polícias secretas modernas de prever muitas outras coisas com base em curtas sequências de dados que parecem completamente inocentes. Existem muitas pesquisas acadêmicas que documentam o quanto é fácil prever a reputação sexual de uma pessoa por meio de uma análise de sua lista de amigos no Facebook. Não seria difícil adivinhar seu nível de renda estudando os valores que gasta comprando música e vídeos online. E a raça também pode ser prevista -com base em estereótipos grotescos sobre preferências culturais das pessoas de uma dada raça com relação a música, filmes, livros e assim por diante. Estudar que artigos uma pessoa lê online pode ajudar a prever suas preferências políticas. Tudo isso somado cria um retrato singular e bastante preciso de um usuário. E, claro, ao contrário do que acontece com os bem protegidos arquivos policiais, essa informação estaria disponível para quem quer que deseje usá-la ou abusá-la.

Mas os problemas não se limitam à monitoração em larga escala. E se empresas que fazem negócios com o Facebook desenvolverem o hábito de usar os estereótipos surgidos dos dados que revelamos a elas a fim de nos enquadrar em suas estreitas categorias -por exemplo, "hipster de nível universitário que gosta de música indie e vota na esquerda"? Isso não seria tão terrível se essas empresas não utilizassem essas categorias para formatar ofertas personalizadas de conteúdo dirigidas a nós.

No entanto, devido ao "compartilhamento sem fricção", essas empresas terminam operando com aquilo que o jornalista tecnológico norte-americano Eli Pariser define como "má teoria de personalidade": elas partem de suposições incompletas sobre quem somos baseadas em livros, filmes e músicas que já consumimos, e tentam descobrir em que categoria pré-existente de marketing nos enquadramos, para nos fornecer conteúdo que outros usuários enquadrados na mesma categoria apreciam.

O perigo disso é bastante claro: nós, usuários de Internet, logo estaremos privados de espaço para crescimento intelectual, porque seremos bombardeados por links para material que provavelmente apreciaremos.

O "compartilhamento sem fricção" reduz o espaço aberto à provocação, à ousadia, ao desequilíbrio estético, e a Internet se tornará a pior paródia do Vale do Silício, onde todo mundo supostamente sorri e se sente "bacana" o tempo todo.

Mas existe algo de ainda mais repelente nessa ideia. O motivo para que compartilhemos links deliberadamente, na rede, é acreditarmos que esses links conduzam a conteúdo interessante, estimulante, divertido, perigoso ou horrivelmente ruim. Temos de fazer julgamentos sobre o que vimos, temos de avaliar -artigos, livros, canções. A maior parte dessas avaliações é rasa, claro, mas ainda assim nos forçam a exercitar nossa faculdade crítica, a operar como curadores -mesmo que para uma audiência formada por apenas 10 amigos.

Pode haver muitas razões para não gostar desse mundo de crítica democratizada. Muitos críticos profissionais se apressam a condenar as resenhas sucintas de livros disponíveis na Amazon pela perda de prestígio da crítica literária tradicional. Mas, ao menos da perspectiva de promover a cidadania, de ter mais gente envolvida com a cultura -em lugar de apenas consumindo silenciosamente aquilo que lhe é
oferecido-, essa tendência sempre foi positiva.

No entanto, a ideologia do "compartilhamento sem fricção" quer promover um envolvimento muito diferente com a Internet, nos termos do qual os usuários não são imaginados como críticos prontos a discriminar entre tipos diferentes de conteúdo, mas sim como robôs sem alma cuja função única é consumir conteúdo e produzir gráficos, tendências e bancos de dados para que ainda mais conteúdo lhes possa ser vendido. Já não compartilharemos aquilo que gostamos de modo consciente; em lugar disso, o Facebook compartilhará tudo -bom, ruim, interessante ou chato- em nosso nome.

Claro, nossos amigos poderão continuar descobrindo sobre o que estamos lendo ou ouvindo -ainda que pareça pouco provável que alguém consiga acompanhar tantos fluxos de dados provenientes de tantas pessoas-, mas ninguém mais esperará que pronunciemos nossa opinião sobre as coisas. O importante não será nossa avaliação sobre um livro, canção ou filme específico, mas o fato de que tenhamos consumido esse conteúdo, que agora poderá ser usado para prever o nosso "tipo de personalidade", nos vender publicidade e, quem sabe, nos recomendar novos livros.

É hora de percebermos que o Facebook está eliminando a alegria, o caos e a natureza idiossincrática da Internet, e substituindo tudo isso por sorrisos artificiais, eficiência tediosa (e portanto "sem fricção") e uma interação abrangente mas branda e inane com a cultura. A menos que percebamos as consequências do "compartilhamento sem fricção", o futuro fácil e sem problemas que o Vale do Silício promete pode se provar desastroso para aqueles que desejam fomentar o pensamento crítico.

Publicado em: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/evgenymorozov/1010856-o-facebook-esta-contra-a-alegria.shtml

O paradoxo das tecnologias

Ao encontrar esse vídeo no YouTube, constatei mais uma vez os paradoxos que envolvem as novas tecnologias: Elas informam ou nos bombardeiam com o excesso de informação? Nos conectam ou nos isolam? Prejudicam a nossa cognição ou desenvolvem as nossas aptidões? São ferramentas necessárias ou estão causando dependência e estresse? Notem que ambos entrevistados, incluindo uma psicóloga, destacam pontos positivos e negativos das tecnologias e suas afirmações acabam se contradizendo.