Analistas de si mesmos


Por Diogo Antonio Rodriguez

Cada vez mais pessoas partem para a filosofia do grupo Quantified Self, que usa a tecnologia para medir dados e criar relatórios da própria vida

Enquanto algumas pessoas se assustam quando descobrem a quantidade de dados coletados por sites e eletrônicos, outras parecem não se incomodar. Para elas, quanto mais informações puderem fornecer e compartilhar, melhor.

É o caso dos chamados “self-trackers”, pessoas que coletam dados sobre suas vidas diariamente. De aspectos corriqueiros a estatísticas personalizadas sobre o sono, alimentação, finanças e até genoma, os praticantes dessa corrente podem escolher entre as inúmeras variáveis que compõem a equação da vida. Mais: tentam interpretá-las para procurar desvios em padrões para prever doenças ou resolver algo que seja problemático – como a insônia.

Essa vertente filosófica contemporânea já tem sua escola de seguidores: o grupo Quantified Self. Fundado em 2007 em São Francisco, nos Estados Unidos, pelo jornalista Gary Wolf, o grupo tem ramificações em 82 cidades pelo mundo. Além do país, há grupos na Europa, Ásia e América do Sul, incluindo o Brasil.

Nos encontros, cada participante apresenta sua palestra sobre como descobriu uma maneira nova de acompanhar algum aspecto de sua vida e os métodos são compartilhados.

Mais do que juntar estatísticas, o que guia o Quantified Self é o “insight”: perceber algo sobre si mesmo através dos dados. Por isso, é importante a maneira de visualizar a informação: “A questão é sempre diminuir essa parte de análise, que é muito complexa e exige tempo”, diz o desenvolvedor Fabio Santos, responsável por organizar a filial brasileira do grupo.

Stephen Wolfram é o padrinho desse hábito. Fundador e CEO da Wolfram Research e criador do site de pesquisas Wolfram Alpha, o cientista mantém registros de vários de seus hábitos desde 1989. Um post em seu blog no ano passado analisou os dados que coleta ao longo do tempo. Ele descobriu que manda, em média, 250 e-mails por dia. Desde 2002, digitou mais de 100 milhões de vezes e fica quatro horas por dia ao telefone.

O designer Nicholas Feltron segue os mesmos princípios, mas tem um jeito diferente de compartilhar seus dados. Todos os anos ele divulga o Feltron Report, um relatório em que compila suas estatísticas. Entre 2010 e 2011, por exemplo, foram mais de duas mil horas de trabalho (média de 46 por semana) e 26.015 músicas ouvidas. Para ajudar outros aficionados por estatísticas, ele criou o app Daytum, que permite registrar e fazer gráficos do que se desejar.

As empresas de tecnologia já perceberam essa tendência e têm lançado produtos que se encarregam de fazer a parte mais trabalhosa do self-tracking (automonitoramento) e apresentar as informações de uma maneira simples. Segundo a lista do Quantified Self, já são mais de 200 ferramentas disponíveis no mercado para quem quer coletar dados.

A variedade é grande: há de aparelhos a apps, passando por redes sociais. Na última edição feira de tecnologia Consumer Electronics Show (CES), a tendência apareceu com força e novas ferramentas foram apresentadas. O HapiFork, por exemplo, é um garfo que mede o número de garfadas. Com o sensor iSpO2 o smartphone vira um medidor de batimentos cardíacos e da oxigenação. Para quem precisa controlar o peso, a balança Withings se comunica com um app e acompanha peso, gordura e qualidade do ar.

Baseada no Estado de Massachusetts (EUA), a empresa Healthrageous começa a levar a ideia para áreas mais tradicionais, como o dos planos de saúde. A plataforma de automonitoramento criada pela empresa incentiva os funcionários a cuidar da saúde usando recompensas ao estilo dos games.

Mas talvez o campo mais fértil seja o smartphone. Através dele é possível monitorar vários aspectos da vida com alguns apps simples (veja abaixo). Com tantas informações disponíveis, o self-tracking está criando um novo tipo de paciente, mais participativo e que exige explicações detalhadas de seu médico. Fabio Santos explica que embora o Quantified Self incentive o autoconhecimento, o grupo não concorda com a automedicação e orienta participantes a procurar médicos.

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