Estamos todos vulneráveis

Por Pedro Doria.

Em setembro de 2011, duas fotografias da atriz Scarlett Johansson foram subtraídas de seu email particular e distribuídas publicamente pela internet. Numa, aparece um de seus seios, na outra, está nua de costas, a imagem refletida num espelho. Scarlett tem um BlackBerry à mão, nesta segunda. Posa para o marido que viaja. "Foi terrível", ela contou alguns meses depois à revista Vanity Fair. "Me senti violada. Não tinha noção de como nos tornamos vulneráveis."


No caso da atriz brasileira Carolina Dieckmann, cujas fotos igualmente pessoais foram distribuídas na sexta-feira, a história se repete. É olhar seu rosto na saída da delegacia e lá estão, estampadas, as mesmas sensações. Violação. Vulnerabilidade. Alguém a expôs e o fez porque um processo de chantagem não rendeu efeito.

Nós não temos noção de quanto nos tornamos vulneráveis.

Em nossos computadores — e tablets, e smartphones — está um bom pedaço de nossa vida. Pode ser uma fotografia íntima. A fotografia digital abriu um campo de possibilidades. Não é preciso revelar e ampliar numa loja. Um clique, e a imagem já existe. E, como tudo que é digital, copia-se num segundo. É inserir um pen drive e arrastar, colocar num email e enviar.

Mas mesmo que não seja fotografia. A planilha onde alguém tenta reorganizar suas finanças ameaçado por uma dívida acachapante está lá. O histórico daquilo que se busca no Google quando a noite cai e se está sozinho. Uma troca de e-mails guardada há anos com quem não se devia falar. Senhas, incontáveis senhas em que sequer pensamos: o browser já as digita automaticamente.

Chris Chaney, o hacker que capturou as duas fotografias de Johansson, não era um hacker. Ao menos, não no sentido de um especialista em computadores que burla sistemas complexos e escreve código como quem escreve uma redação de primário.

Chaney, um desempregado solitário com pouco mais de 30, fez algo mais simples. Descobriu o endereço de webmail pessoal da atriz e clicou o botão para quem esqueceu a senha. Lá se deparou com perguntas de segurança que, um dia, Scarlett respondeu. Todos nós conhecemos estas perguntas: qual o nome de seu bicho de estimação? O nome de solteira de sua mãe? A cidade em que cresceu? No caso da maioria de nós, encontrar estas respostas não é tão fácil. No de uma atriz conhecida, cuja vida é contada e recontada em cada canto da grande rede, está tudo a um Google de distância.

Ele já havia feito isso com inúmeras atrizes. Acompanhava suas vidas pessoais, as trocas de mensagens, sempre silencioso. E, em cada conta que invadia, discreto, mais uma penca de endereços eletrônicos de outras descobria. Quando chegou nas mensagens de Scarlett Johansson, descobriu também as fotos que a moça enviava para o marido. O desempregado solitário está preso. Cometeu um crime. A internet pode ser segura. Há programas gratuitos para Windows, Mac e Unix que criptografam parte ou todo do que temos. Senhas um pouco mais complexas e variadas fazem grande diferença. Dar respostas inusitadas, porém memorizadas, para perguntas de segurança, também. Não é difícil entrar num computador que esteja numa rede wi-fi pública. (Não requer um hacker brilhante.) Ter acesso ao que está criptografado no disco, após entrar no computador, é quase impossível.

É que ainda somos, todos nós, um bocado ingênuos a respeito de segurança. E custa incluir uma senha no celular, outra no login do computador, só para o caso de perda? No entanto, quantos o fazemos? Toda informação digital é fácil de ser copiada, não importa qual. Aceitar esta vulnerabilidade e iniciar uma cultura de proteção é um passo cada vez mais necessário. A internet, afinal, tem um quê de selvagem. Basta ler no Twitter o que tanta gente escreveu desde sexta-feira. Às vezes, dá vergonha pertencer à humanidade.

Publicado em: http://oglobo.globo.com/tecnologia/estamos-todos-vulneraveis-4836168